Requiem
Reúnem-se à sombra serena das criaturas centenárias. São muitos, mas as árvores do aroma aquietante abrem-lhes os braços e, generosas, todos acolhem.
O contraste entre as soberanas figuras e aqueles homens a seus pés potencia o absurdo. Quem ali tem poder e manda é a ridícula pequenez. A ridícula pequenez a conspirar.
Agitados, os homens expelem apreciações. Alguns, para simularem vistas largas e fugirem ao desconforto de suas estaturas, recuam. Pose estudada, de longe lançam anátemas sobre o porte altaneiro dos estorvos vegetais, à contramão das cotas consagradas. Outros, condenam-lhes a idade, a altivez, as feridas. A memória. Outros acham que as excelsas criaturas dão mau aspecto à terra, que parece mal ter ali implantado senil madeirame, berço de moscas, de mosquitos, poleiro de pardais. Outros falam das raízes a insinuarem-se na sombra, a minarem alicerces, muros, a subverterem casas.
A rastejar, as sentenças alcançam os troncos condenados, esgueiram-se entre copas decapitadas por mãos sinistras e, dos ramos sobranceiros, deixam-se cair. Como mambas letais sobre as cabeças:
— Morte!
A anunciar o veredicto, os homens traçam uma cruz, uma imensa cruz vermelha, a cor do sangue, sobre os silenciosos troncos inocentes. E vão-se, satisfeitos.
Uma manhã,
não tarda, vêm aplicar a pena capital, executar o arboricídio. Machados,
picaretas, pés-de-cabra, marretas, moto-serras, carrinhas, camiões,
a orgia anima o coração do burgo por muito tempo. E elas, as velhas
árvores do aroma aquietante, sombra serena, até ao derradeiro alento
abrem os braços generosos aos carrascos.
Augusto Baptista