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repórter

12 septembre 2013

A BULA VIII

 

COMPRIMIDO VI


O homem que arrombou a livraria

 


O assalto à livraria consumou-se com o roubo de um livro, de um só livro, acontecimento tão insólito que o país se intrigou deveras.

Os jornais, as rádios e as televisões não falavam de outra coisa.

Para desvendar o mistério foi destacado um polícia muito arguto, que reco­lheu provas, fez as análises do costume e tudo o mais que estas coisas reclamam.

E quando o caso parecia sem saída, o perito formulou a pergunta essencial: a quem aproveitaria tal crime, que bolsos inchariam com tanto falató­rio?

Bom de ver: o autor do dito livro, logo preso!

Um barbudo cadastrado, pinga-amores e desordeiro, um tal de Luís Vaz.

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11 septembre 2013

A BULA VII

 

COMPRIMIDO V


O homem que morre ao anoitecer

 


Natureza assumida no seu esplendor, cada momento elo de uma infinda relação, nele a morte é realidade vivenciada dia a dia, mortalha em que se deita e acorda, de manhã.

O caixão comprou-o já faz anos e aí adormece sem sobressaltos, para nada estranhar, chegada a hora.

A mulher acha bem.

Tanto mais que passou a poder dormir sossegada, ele toda a noite sepultado no esquife.

A ressonar.

10 septembre 2013

A BULA VI

 

COMPRIMIDO IV


O homem que cortava a direito


Os amigos recordam-no, saudosos, como um homem recto, cidadão que, face a contrariedades, não perdoava: se os calos o magoavam, vik!; se lhe doíam os dentes, vuk!

A última vez que foi visto queixara-se de uma leve dor de cabeça.

 

 

 

9 septembre 2013

A BULA V

COMPRIMIDO III


O homem que interpreta os campos


Quem olhar os campos em atento devagar, não lhes adivinha o futuro líquido, feitos vinho, aguardente, jeropiga, espumante, rum.


E, dentro da paisagem embriagada, quem como ele capaz de prever, no sonâmbulo podador, a figura turva que derreia agora a cabeça na mesa do tasco, pagando enfim o tributo à terra?

8 septembre 2013

A BULA IV

COMPRIMIDO II

 

O homem que se abotoou com umas massas

 

Com evidente embaraço, a dona da loja lamentava não poder satisfazer as exigências do encapuzado.

Carolino, agulha, extra, arroz não tinha.

Mão na máquina registadora, insinuou alternativa: talvez massas, umas massas.

Ladrão romântico, o assaltante guardou o revólver e, contrafeito, saiu com uma embalagem de aletria na mão e dois pacotes de estrelinha no bolso.

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7 septembre 2013

A BULA III

 

COMPRIMIDO I

O Homem que caçou a deusa



Levou a arma à cara. Cano virado para o céu, um tiro.


A criatura, cega ao rumo que levava, caiu.


-Busca, Flecha! -ordenou o caçador.


A perdigueira, a abanar o rabo, fez-se ao monte.


Breve regresso: na boca, Diana, morna ainda.

6 septembre 2013

A BULA II - O HOMEM QUE JOGA TANGRAM

 

O HOMEM QUE JOGA TANGRAM


As sete figuras entraram-lhe em casa não sabe como, não sabe quando. Lembra-se, criança, de descobrir o jogo na gaveta do pichichi – como o Galrão, o vendedor, chamara ao móvel
– dentro duma caixinha quadrada.


Pouco liga ao achado. Rumor de tédio, hora de inquietação, uma noite vai espreitar. E acha interessante o despojamento dos recursos, em contraste com a claridade de tanta silhueta engendrada com aquilo.


Peça acima, peça abaixo, peça a peça tenta resolver um dos casos. E de tal modo se complica o evidente, que logo desiste, sem fixar o nome da humilhação.


Com frequência, às escondidas de si próprio, reincide nas tentativas, abandonos, nos desânimos. O insucesso de tanto manuseio um dia revela-lhe a solução de um dos negros desa­fios. Tal e qual. Golpe de sorte, na certa. Um a um, de novo visita os problemas. Alguns deixa a meio, outros – insistência de horas, teimosia de semanas – os vai desvendando.


Retém, enfim, a nomeação da porfia: tangram.


No devaneio do jogo, faz-se homem. Concretiza estudos, procria. Escreve livros, planta árvores. E sempre o rumor de tédio, a inquietação, a noite, ele a soltar as peças do velho jogo, a inventar cavalos com crinas de cristal, extravagantes máquinas voadoras, passarinhos. E a fugir para um mundo com nova geometria. Construído de triângulos, um quadrado, um paralelogramo. Pequeninos.

 

 

5 septembre 2013

A BULA

 


Segue-se nos próximos dias a publicação dos


Comprimidos Literários

Prosa e Ilustração de Augusto Baptista & Titular da Autorização de Introdução no Mercado e Fabricante: www.correiodoporto.pt


Este folheto foi aprovado pela última vez no dia 31 de agosto de 2013

Folheto este que está disponível na rubrica "BULA" no site supraciado

 

 

 

31 mai 2010

Azul-Canário


O Augusto Baptista tem também um novo blog.

Visite o Azul-Canário!

10 août 2007

A variante

 

 Tudo começa com um pequeno sobressalto no passeio: uma pedrita que salta. Saltando, se abriu uma ausência, a breve falha dum dente, no pavimento. O conflito entre os pés dos transeuntes e a covinha cria novos sobressaltos, saltitos, maiores ausências.

 

 Quando o passeio se desdentou de todo, o chão subjacente breve se desfez num oco, se abriu numa ameaça, goela voraz de pernas partidas, mãos, braços. Num necrotério.

 

 Só numa manhã, conta-se, foi engolida uma jovem, o carrinho do bebé, pereceu o cobrador de custas judiciais. A dona Arminda e o senhor Serafim, respeitadíssimos, distraídos a conversar, animaram os noticiários. O senhor Estêvão da drogaria, a saudosa Leonor do café... E outros, tantos que seria fastidioso enumerar.

 

 A abnegação dos bombeiros, as infrutíferas escavações, as acções de busca e salvamento nas profundezas, com cães-polícia vindos expressamente da Austrália, mais escancararam o apetite, as maxilas da devoração. E quando o oco sinistro, a pança, enfim abarrotava, já a cidade definhava em gente, em movimento.

 

 Chorado o último residente, as autoridades decidiram pôr pedra sobre o assunto. Com carácter de urgência, foram descarregados oportunos pedregulhos, camiões de cascalho e brita. Tudo bem compactado, recobriram o local de má memória com asfalto.

 

 Por extenso.

 Em tempo recorde, como sublinharam os jornais, foi ali inaugurada uma moderna via rápida, uma nova variante. 


Augusto Baptista


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