Um domingo sem história
Dia
agradável, embarco no comboio, rumo a Espinho. A viagem, no suburbano com
partida de São Bento às 16h10, decorre sem percalços.
Em
Espinho, inevitável, a marginal. Tarde de domingo a propor óculos de sol,
variada oferta a roçar os pés dos transeuntes: formigueiro a passear para a
frente e para trás. Na barafunda, ciclistas acrobáticos, alçados sobre o selim. E o mar, picado, a arremessar-se contra a
costa; o mar a morder tão perto. Cerveja na esplanada, todo o mundo a olhar
para longe.
Viro
costas. Curtas deambulações na cidade, algumas fotografias. Fustigado pelo
vento, regresso: suburbano das 18h30, partida à hora certa.
Granja,
Aguda, no apeadeiro de Miramar decido-me por uma surtida em terra. Plano
simples: tirar uma fotografia da plataforma e reentrar. Por um segundo, falho
os cálculos.
Quando,
a próxima ligação? Busco apoio no longo correr edificado, evidência da
importância deste destino no passado. Hoje, as portas, as janelas, as
bilheteiras, os lavabos, tudo fechado. Neste espaço, nem vivalma. Nas paredes,
gatafunhos, inscrições, desenhos de cores berrantes. Embrulhado em fita adesiva
e papel pardo, cego ao tempo, o relógio.
Ocorre-me
o pesadelo da estação de Barca de Alva, o abandono de linhas, o fecho de ramais
por aí, em prejuízo das pessoas, do desenvolvimento. Mas Miramar, eixo Porto - Lisboa!
Reconforto
o olhar num pequeno éden de rosas vermelhas e cravinas. E há árvores por perto.
No topo Norte, a gare confina com a passagem de nível, cruzada pelo trânsito
domingueiro.
Retinido
quase inaudível na plataforma anuncia comboio. As cancelas de um só braço
baixam devagar. Os automobilistas mais afoitos, cosidos aos limites, arriscam a
travessia. Nascido da curva, turbilhão de aço a ensurdecer a linha, a
estremecer o chão, o Pendular para Lisboa.
Volvidos
minutos, de novo as campainhas, as cancelas, a afoiteza dos carros
domingueiros, e o sobressalto, o baque de outra bátega a varrer a gare. E de
novo o silêncio.
«Viu?!»,
diz-me um sujeito do outro lado da linha, visão privilegiada sobre o trânsito.
«Viu a carrinha?!» E agitado: «Atravessou com as cancelas a descer e o comboio
veio logo. Um dia destes há aqui uma desgraça».
Transmito
a inquietação ao revisor da composição em que enfim embarco. Ouve, aquieta-me:
«A linha, as passagens, as estações... isto vai ser tudo mudado». «Breve?»,
inquiro. «Ah, sim. Já dentro de dois, três anos».
Augusto Baptista
In Notícias Magazine n.º 523 - 2 de Junho de
2002