10 août 2007
A variante
Tudo começa
com um pequeno sobressalto no passeio: uma pedrita que salta. Saltando,
se abriu uma ausência, a breve falha dum dente, no pavimento. O conflito
entre os pés dos transeuntes e a covinha cria novos sobressaltos, saltitos,
maiores ausências.
Quando o
passeio se desdentou de todo, o chão subjacente breve se desfez num
oco, se abriu numa ameaça, goela voraz de pernas partidas, mãos, braços.
Num necrotério.
Só numa
manhã, conta-se, foi engolida uma... [Lire la suite]
10 août 2007
Requiem
Reúnem-se
à sombra serena das criaturas centenárias. São muitos, mas as árvores
do aroma aquietante abrem-lhes os braços e, generosas, todos acolhem.
O contraste
entre as soberanas figuras e aqueles homens a seus pés potencia o absurdo.
Quem ali tem poder e manda é a ridícula pequenez. A ridícula pequenez
a conspirar.
Agitados,
os homens expelem apreciações. Alguns, para simularem vistas largas
e fugirem ao desconforto de suas estaturas, recuam. Pose estudada,... [Lire la suite]
10 août 2007
Encruzilhada
O velho cidadão
tinha um pensamento bíblico, de certo modo: tendia para as parábolas.
Inquirido sobre o tempo alegorizava. Perguntado sobre o lugar divagou:
Os gafanhotos chegaram em bando compacto
e logo se juntaram aos outros no desfrute. Desde aí a aldeia se fez
vila e assim sucessivamente. Sob o lema
‘Tudo pela ocupação, nada contra a concórdia’,
as ruas foram baptizadas com nomes velhos e
o semáforo posto a funcionar na medida do possível.
Os buracos passaram a ser tapados ao ritmo conveniente,... [Lire la suite]
10 août 2007
Os bravos
Inopinado,
o espaço sobressalta-se com um grito. Um uivo sem fim, estridente,
cortante. De lés a lés a terra estremece, se cala. Sob a desgraça
que paira no ar.
Nas
ruas irrompem homens aflitos, em resposta à chamada raivosa. Percebe-se,
nas respirações, no olhar, vontade de acudir. Um, outro, outro, correm,
convocados pelo clamor.
A sirena!
Não
tarda, labareda a varrer a estrada, dobra a esquina a velha carreta
vermelha, sineta a retinir num desassossego metálico. Vai... [Lire la suite]
10 août 2007
Central
Verão, Inverno,
noite ou dia clareado, já elas andam a debicar o chão, entre os pés
dos passageiros. A coxear, asa ferida, surpreendem migalhas, minúsculos
nadas. Outros deserdados por aqui vagueiam. Alguns pedem esmola, alguns
desistiram.
É sempre
assim a esta hora, aos sábados, na central de camionagem da cidade
grande.
Arribam prostitutas,
homens embriagados, gente com embrulhos, malas, filhos. Pressa. Chegam
mal dormidos, cansados uns dos outros, com a fixa ideia de... [Lire la suite]
13 juin 2007
O faroeste
De uma das portas da rua nova, emerge o cowboy. Olha para um lado, para o outro, fareja. Esporeia a montada aos relinchos e, com aparato, volteios e tiros, parte a galope.Sem tardança, alcança o fugitivo ofegante, cansado dos pés, no justo instante em que tenta esgueirar-se para o interior da loja. E, à vista de todos, sem dar tempo a que alguém acuda, o revólver do cowboy relampeja. E logo a winchester reluzente que traz a tiracolo, misericordiosa, põe fim ao pleito: um tiro na testa.No sobrado da pacata loja de malhas e miudezas,... [Lire la suite]
05 juin 2007
Nome nenhum
Olhou a parede
no cotovelo do prédio, por um quase acaso. Conhecia muito bem a pequena
cidade, jamais precisara saber o nome das ruas. Lançado o olhar, perdeu-se.
E teimou na busca de uma placa, inscrição, referência, nomeação
do lugar.
Neste entretém,
deu em discorrer na ordem obtusa que nos impõe mensagens ao nível
dos olhos, quando se não quer; nos obriga a catar alturas, quando se
procura.
E partiu
sem destino, sem rota, por avenidas, vielas. Farejou cotas altas, em ... [Lire la suite]
05 juin 2007
O cavalheiro
Ao sair da
camioneta, na atrapalhação dos degraus da porta traseira, que de tão
íngremes mais parecem escadório de navio de carga, a senhora desequilibra-se,
cai no asfalto. Um socorro de mãos não tarda a pô-la ao alto, a sacudir-lhe
com desvelo a poeira do casaco, a entregar-lhe a inchada carteira preta,
que, no reboliço, rolara para a berma.
Desvanecida
com tanto cavalheirismo, mãos acordadas para acolherem a preciosa devolução,
a senhora fecha os olhos. No escuro, esconde o embaraço,... [Lire la suite]