O cavalheiro
Ao sair da camioneta, na atrapalhação dos degraus da porta traseira, que de tão íngremes mais parecem escadório de navio de carga, a senhora desequilibra-se, cai no asfalto. Um socorro de mãos não tarda a pô-la ao alto, a sacudir-lhe com desvelo a poeira do casaco, a entregar-lhe a inchada carteira preta, que, no reboliço, rolara para a berma.
Desvanecida com tanto cavalheirismo, mãos acordadas para acolherem a preciosa devolução, a senhora fecha os olhos. No escuro, esconde o embaraço, repete palavras agradecidas. E enquanto assegura estar bem, não se haver magoado, congemina penitências por ter avaliado mal a Humanidade, estes tempos de selvagem egoísmo e barbárie, como antes costumava acusar.
No interim, mãos suspensas no gesto receptor, os dedos sulcam o vazio, nada alcançam. Estremece num pasmo repentino, olhos vidrados. Já o cavalheiro, três saltos felinos, dobra a esquina.
Augusto Baptista