31 octobre 2006
Invicta?
No coração do Porto,
várias fachadas acordaram amortalhadas por painéis descomunais em exaltação da cerveja. É o reino do lúpulo a desfraldar bandeiras na pátria das uvas.
De Capital do Trabalho,
desde tempos recuados, o Porto passou, em 2001, a Capital Europeia da Cultura.
Em 2002, abre-se a novos desafios: Capital Nacional do Copo. De cerveja.
AB
In Notícias Magazine de 29
de Setembro de 2002
31 octobre 2006
Ocasos portuenses
Ao
lusco-fusco, de regresso a casa, vejo um fulano no passeio, a aproximar-se.
Pela mão traz uma motorizada e, quando nos cruzamos, aborda-me, visivelmente
constrangido:
—
Acabou-se-me a gasolina. Se me pudesse...
Mão
sem pensar: 1 euro. E continuo o meu caminho, agora a ponderar no embaraço da
situação do outro, na austeridade da minha ajuda, nos inesperados contratempos
da vida.
Dias
passados, anteontem precisamente, ao lusco-fusco, de regresso a casa, vejo um
fulano no... [Lire la suite]
29 octobre 2006
O essencial
Vi
televisores, poltronas, livros, brinquedos, camas, revistas, carros, sanitas,
roupa, sapatos, espelhos. Vi de tudo já, no lixo. Vivemos numa sociedade que
transforma todas as coisas — todas, incluindo nós próprios — em lixo. Essencial
é saber-lhe a qualidade: se sim, se não, biodegradável.
AB
In Notícias Magazine
29 octobre 2006
Salvar o sorriso
Até
nós chegaram alguns velhos quiosques do Porto. Refiro-me aos modelos antigos,
feitos em madeira, como o que sobrevive, de boa saúde e no activo, no Largo de
Mompilher. Só para o ver, falar com o senhor Vergílio Ferreira, guardião do
espécime, é obrigatório visitar o lugar. No Largo da Ramadinha, mesmo ao lado
da Churrascaria América, frente ao jardim de S. Lázaro, aí também existia um
soberbo sobrevivente. Restaurado há poucos anos, levou sumiço. Na rotunda da
Boavista, encerrado, degradado, agoniza um exemplar... [Lire la suite]
29 octobre 2006
Acasos do dia
Conheço um arrumador, diria até que dele sou amigo,
tantos os meses que cruzamos presença e as boas tardes, numa das ruas do Porto.
Pelo modo como os dias o definham, advinho-a nas malhas da droga.
Esta semana, num dos nossos cruzamentos, no passeio
havia altercação: um fulano, vermelhusco, trôpego nos gestos e na voz, queria
varrer à estalada a mulher, a mãe da mulher, o mundo.
Foi então que o meu amigo me olhou, baço,
judicioso:
— O álcool é fodido!
AB
In
Notícias Magazine n.º 531 -... [Lire la suite]
28 octobre 2006
Parlez vous Français?
Junto ao n.º 147 da Praça da República, um pouco
acima do nível do passeio e encravada na frontaria esbranquiçada do prédio, uma
caixa clara. Na tampa, ruídos visuais garatujados a negro e, em discreto relevo
sob uma chama estilizada: VANNE GAZ. Descaído à esquerda, em círculo: EN CAS DE DANGER
ENFONCER et POUSSER LE BOUTON ROUGE.
À senhora do 1.º andar, perguntámos o que era
aquilo e o que lá estava escrito. «É a caixa do gás». Mais não sabia, nem lhe
interessava: «No prédio só o 2.º e o 3.º é que usam. Eu tenho... [Lire la suite]
26 octobre 2006
Bobi, rua!
O cartaz afixado no
expositor público questiona-me: «Já alguma vez foi abandonado?» A ilustrar a
pergunta, a cara de um jovem quase de perfil, entre dedos um olho a espreitar,
num desespero de luz. De luz, mas luz exterior. Luz a que falta o fulgor
inimitável que vem de dentro, o alarme que ressurte nos olhos dos aflitos. Nos olhos
dos abandonados. Nos olhos dos cães, nos olhos dos gatos a quem os donos nas
férias dão pontapé. E que vadiam por aí essa luz de verdade, nos olhos. Tão os
olhos dos meninos perdidos dos... [Lire la suite]
26 octobre 2006
Triângulo amoroso
O caso nasceu assim: no âmbito do Porto 2001, foi
decidido remodelar a zona do Campo dos Mártires da Pátria, junto à torre dos
Clérigos. Vai dai, resolveram deslocar a estátua ali erigida ao bispo do Porto,
ilustre figura: D. António Ferreira Gomes.
«Queriam pô-lo mesmo em frente à nossa porta»,
queixa-se Custódio Ribeiro, técnico da "Farmácia Antiga da Porta do
Olival". O gerente da vizinha "Confeitaria Muralhas", Aníbal
Fonseca, queixa-se exactamente do mesmo. E começou o jogo do empurra: a
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25 octobre 2006
Contra os peões, marchar, marchar!
Os passeios são território do peão,
convencionou-se. Mas, da teoria à prática, vai a distância do sossego ao
sobressalto, da paz à guerra.
Nos passeios alçam-se carros, motociclos, bocas de
incêndio, camiões, bicicletas, postes, tabuletas, caixas eléctricas, placas,
escavadoras, sinais de trânsito, cabinas telefónicas, depósitos de lixo, valas,
parquímetros, andaimes, vidrões, sanitários, mecos, buracos, protecções, canos,
tapumes, redes, candeeiros, cercas, calhaus. Calhaus, com vossa licença, até de
cão.
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25 octobre 2006
Afectos descartáveis
Apareceu-me
um dia destes à borda do passeio, mesmo em frente ao Hospital Militar do Porto.
Lindas rodas brancas, pedais cromados, assento largo como dorso de pónei, e um
volante-guiador — auréola negra por cima do manípulo das mudanças: um triciclo!
Um triciclo como eu nunca tive, no lixo!
Parei
a remirar a peça, desejo de pedalar a corroer-me. E conjecturei sobre o que
terá levado alguém a atirar ao lixo um brinquedo assim. Será que os pais...
Será que os pais já lhe terão dado o carro?
AB
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