Rotunda da Boavista
O motociclista escapou por um triz à dianteira do
automóvel, e parou mais à frente, a protestar. Por destino ou para fugir à
proximidade com a indignação, o automóvel guina à direita. Em perigo fico eu de
repente, eu a atravessar a passadeira a coberto do verde. Não dá para escapar,
correr para a frente, pular para trás.
Estou encurralado no meio da estrada. De
consciência lavada, no respeito das regras que aos peões se exigem, morrerei de
pé. E encontro coragem para olhar nos olhos o instante, testemunhar a minha
própria morte. Morte?!, que outro destino, varrido pelo desvario que aí vem?
No momento derradeiro o carro trava, pneus a
fumegar. Mas avança! Não me mexo, nada adianta. À minha frente, rente ao corpo,
enfim parada, a ameaça. Jovem e muito feminina, por sinal. Mas algo
melancólica, diria deprimida, alheia. Desgosto de amor? Pousada ao volante,
displicente, uma mão; a outra, embriagada ainda pelo telemóvel.
AB
In Notícias Magazine de 9 de Jun 2002